Diariamente, um desafio é lançado: uma palavra, apenas uma, que seja capaz de mexer com a criatividade desses oito escritores. Eles deixam os dedos correr no teclado, livres e descomprometidos. O resultado? Uma poesia, uma crônica, um haikai, um conto... Enfim, o que a inspiração deixar. O blog é isso, um convite à criatividade, provocada todos os dias, no finalzinho do expediente.

terça-feira, 7 de abril de 2009

A PALAVRA DE HOJE É... CONSTATAÇÃO

Por Gabriela
Às vezes cai em mim o peso das minhas escolhas. Eu não deveria estar aqui. Ouvindo a voz de um colega de trabalho esquisito que não suporto e me lembra, todos os dias, como o mundo está povoado de gente rasteira e desagradável. Eu deveria estar num país distante, escrevendo um romance, falando outras três línguas. Deveria ter um emprego de alta executiva e ganhar o triplo do que ganho pra poder viajar de férias todos os anos. Ser uma profissional reconhecida na minha área. Ser procurada por outras empresas, ávidas pelo meu passe. Ganhar Leões de Ouro em Cannes. Ter tesão e brilho no olho em cada título que eu criasse, em cada job que me caísse na mão. Não precisar contar o salário pra ver se todas as contas serão devidamente pagas no final do mês. Ter uma tarde de crise existencial tipicamente feminina (de álibi, a TPM) e torrar uma grana em roupas na Zara, na Cori, na Chocolat – sem estourar o limite do cartão e sem o menor arrependimento, ainda que em casa, no meio do closet abarrotado, eu ache que jamais vou ter coragem de usar aquele casaco de couro cor pistache, modernérrimo. Ser ligada nas últimas invenções tecnológicas e mandar emails até debaixo do chuveiro, me conectar com um amigo egocêntrico em viagem espiritual pelo Nepal e saber o que ele está almoçando. E antes de ir para o escritório (horário super flexível de alto escalão), passar pelo salão de beleza mais renomado da cidade pra fazer cabelo, unha, pé, massagem e ouvir fofoquinhas inocentes completamente desconectadas do mundo capitalista corporativo onde transito com a maior naturalidade do mundo! Eu deveria ser aquela pessoa cool que se torna meio referência, sem saber. Uma cabeça! Inteligente, descolada, despreocupada, competente, linda, simples, fashion, antenada, culta, amiga, parceira, independente financeira e emocionalmente, cidadã do mundo – à vontade em Paris, Japão, Boston, São Francisco, Morro de São Paulo, Milão, Rio de Janeiro, São Paulo, Sepang, Penedo, Cambury, Bora Bora enfim milhas e milhas de conforto e adaptação instantânea. Eu deveria não me prender às pequenezas, não me deixar atingir pela imbecilidade e má educação dos milhões de motoristas desta cambada humana que precisa trabalhar do outro lado da cidade feito eu, não ouvir as besteiras e falsidades ao longo das horas que passo trancada no escritório, contando minutos pra poder colocar a cara na rua e respirar um pouco mais fundo e leve. E não, não odeio meu emprego ou a minha vida, ao contrário, me considero uma privilegiada. Mas uma constatação que me veio agora, neste segundo em que escrevo e ouço o colega esquisito que trabalha ao lado: neste segundo, eu não deveria estar aqui. Não, não deveria.

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