Diariamente, um desafio é lançado: uma palavra, apenas uma, que seja capaz de mexer com a criatividade desses oito escritores. Eles deixam os dedos correr no teclado, livres e descomprometidos. O resultado? Uma poesia, uma crônica, um haikai, um conto... Enfim, o que a inspiração deixar. O blog é isso, um convite à criatividade, provocada todos os dias, no finalzinho do expediente.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Por Mariângela
Ele levanta e dá de cara com a avenida em ebulição.
Os carros passam, buzinam, se atropelam,
se confundem com animais na savana árida e cinza.
No vão de uma lage, ele guarda seus pertences:
a cama, um papelão duro que um dia embalou uma TV de plasma, 42 polegadas,
o cobertor todo empelotado de poeira, folhas e o que mais foi possível arrastar consigo,
a sacola rasgada CVC, com duas camisetas sem marca, uma cueca furada, um pente e um copo
e o bloco de papel e a caneta bic quase sem carga.
Consegue lavar o rosto na água que brota da parede de um viaduto por perto.
Olha de novo para o seu cenário: outros como ele, dividindo o infinito do nada.
Faz a caminhada costumeira percorrendo suas ilhas, que separam as avenidas.
Pede um trocado aqui ou ali, conforme fecha o semáforo.
Junta 3 reais que gasta com um pão e manteiga e ganha de um qualquer o pingado.
O dia passa e ele segue sem rumo, pensando porque, afinal, ele foi parar ali.
Insiste, persiste, mas não se lembra como tudo aconteceu.
Só sabe - e isso é certo - que seja lá como for, ele não pode enlouquecer
e faz um exercício diário de encontrar poesia naquilo que a vida lhe presenteia,
registrando no bloco sujo, com a caneta velha:
"comprei o pão e o homem, bom coração, me deu um pingado.
Meu olho ficou molhado, porque ainda sinto emoção.
Não tenho medo do vazio que hoje habito
só temo esquecer que ainda existo
e perder a noção, o meu colchão papelão e o que resta da minha rima
que combina lembrança com esperança,
sofrimento com cabimento, desespero com ser faceiro.
Só não sei o que será quando a tinta acabar.
Talvez, enfim, eu morra, o que combina, então, com porra!"

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