Diariamente, um desafio é lançado: uma palavra, apenas uma, que seja capaz de mexer com a criatividade desses oito escritores. Eles deixam os dedos correr no teclado, livres e descomprometidos. O resultado? Uma poesia, uma crônica, um haikai, um conto... Enfim, o que a inspiração deixar. O blog é isso, um convite à criatividade, provocada todos os dias, no finalzinho do expediente.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Por Mariângela
Nunca acreditei nisso. Maldito ceticismo sem graça que só me atrapalha!
Mas nada como a vida, sábia encarregada das porradas cotidianas,
pra gente se rever e dar mão à palmatória, parar de cuspir pra cima
ou sentar no formigueiro achando que nada vai abundar.
Não me apresse que já conto o que me deixou desse jeito. Preciso, primeiro, respirar fundo.
Eu rezava aquele terço imenso, toda noite, ao pé do rádio, acompanhando o padre de sei lá onde, num AM 'estéril'.
Muito eu nem escutava...era um bzzzz....zzz...luchhhh....fiuuu.... de tanto chiado.
Mas eu seguia... ave-maria, pai-nosso... creio em Deus Pai...
Tudo ia bem até a primeira carreirinha de contas rosas.
Depois, meu amigo, era um decoreba, um trem sem sentido
que brotava de minha boca mole e da mente ausente:
ave-nosso... pai-maria... creio Pai... em Deus credo...
Até que um dia, no meio dessa ladainha noturna, ouvi um uivo forte e agudo, perto da entrada.
Fiz com a mão um "em nome do Pai" e encarei de frente, abrindo a porta.
Quase cai de costas sobre a cruz de madeira que fica a espreitar da varanda de casa.
Vi a besta, vi o dito - eu que só acreditava em anjo e santo, com aquela luminária na cabeça.
Quase mijei nas calças, mas fiquei firme, de terço em punho.
O bicho agonizava deitado aos meus pés. Uivava como se uma faca cravasse seu peito peludo.
E não é que era mesmo um punhal de prata?
Mas olhei nos olhos da coisa, as lágrimas do danado escorriam.
Acredita que fiquei com pena do tal? Que me ajoelhei e rezei para que aquilo lá não doesse mais?
E quando fiz isso - que doida que sou, não é mesmo? - a pata do monstro encostou na minha mão.
Juro que ouvi um ronronar baixinho: "tira isso daí pra mim, tira?"
Eu não sei de onde arranjei coragem - acho que do terço que larguei nas ancas da fera,
porque apoei meu pé no dito e com força puxei a afiada do meio do peito sangrando.
Não... não... pode se tranquilizar. Sente-se e termine o seu chá.
Ele não vai te fazer nada, não. Hoje sai cedo e volta bem tarde, porque é lua cheia.
Tem as tarefas de lobisomem para realizar - vai com Deus, menino!
Mas é isso, amigo, depois da tal noite, salvei o lobo da morte e hoje ele mora comigo.
De dia, ajuda nos trabalhos de casa, faz massagem nos meus pés quando tô tensa.
A noite, se a lua for outra, jantamos juntos, rezamos o terço e, dependendo de minha disposição,
rolamos no chão fazendo sexo selvagem
, porque não sou santa, né? Mas, creio.

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