Diariamente, um desafio é lançado: uma palavra, apenas uma, que seja capaz de mexer com a criatividade desses oito escritores. Eles deixam os dedos correr no teclado, livres e descomprometidos. O resultado? Uma poesia, uma crônica, um haikai, um conto... Enfim, o que a inspiração deixar. O blog é isso, um convite à criatividade, provocada todos os dias, no finalzinho do expediente.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Por Cristina
Apesar do sol que entrava pela janela, sentia frio. Na poltrona, corpo magro, cigarro abandonado na mão direita, olhar perdido, era um daqueles dias (como se chamavam mesmo? Dias brancos? Dias neutros? Dias nada?), Em que nenhum sentimento parecia se fazer presente e somente o abandono tomava conta de tudo. Som baixinho escutava Ruth com Egberto Gismonti, nome que o fazia lembrar outros nomes já tão longínquos, nomes que se haviam tornado um tão pouco, um quase nada, idos, findos, vez em quando ainda re-mexiam, re-moviam vácuos de tempo e, sobretudo re-feriam o corpo todo que passava a doer e traziam de volta o sentimento escondido em pensamentos que acreditava imbuídos no nada pensar, e causavam toda a re-viravolta dolorida e então vinha maldosamente o som de Ella Fitzgerald com o “Mean to me”, can’t-you-see-what-you-mean-to-me?
Levantou-se, apagou o cigarro e fez um café. Lembrou-se dela sentada na mesinha redonda, pronta para trabalhar, tomando café com ele, lágrima escorrendo na face, ela não gostava de ir embora, mas mesmo assim ia e sempre teimava em não voltar porque era mulher de sentimentos que de tão profundos ficavam leves demais. Ele nunca entendera como sentimentos podem ser assim, como um rufar de vento e foi então que se deu conta do vento que fazia a janela bater de levinho, apesar do sol (a mulher dos sentimentos de vento cismava em não gostar de vento e sempre fechava as janelas, mas gostava de olhar o mundo através dos vidros principalmente quando havia sol).
Daquela janela ele lhe mostrara as árvores, os caminhos que percorria todos os dias e lembrava-se de um (a musica era Luna Rossa com Caetano Veloso - porque sempre havia uma musica), em que olhando pela janela haviam conversado muito com as taças de vinho na mão e anoitecera, depois amanhecera e quase anoitecera de novo, a musica se repetindo ao longe (ele gostava de musica ao longe) e haviam adormecido no sofá, copos no chão.
Respirou fundo e as viu chegar, uma a uma, as andorinhas, pousando no parapeito da janela, olhando para ele (ah Luna Rossa!), acreditou que eram as mesmas daquele dia em que ele dissera olha, olha, vieram te ver, ela sorrira abrira a janela bem devagarinho, estendera a mão, ela queria encostar seu rosto, quase conseguiu, uma mansinha chegou bem pertinho do rosto dos dois, roçou a asinha, as peninhas azuis tocando nas faces enquanto de tão emocionados cada um derramava uma lágrima alegre e se abraçavam vendo a andorinha voar e sabiam que nunca mais esse dia seria esquecido e então escutou Ella Fitzgerald que teimava em machucar e cantava “when your love has gone”.
Sentou-se na poltrona, acendeu um cigarro e voltou ao seu dia como se chamava mesmo? Dia branco? Dia neutro? Dia nada?

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