Diariamente, um desafio é lançado: uma palavra, apenas uma, que seja capaz de mexer com a criatividade desses oito escritores. Eles deixam os dedos correr no teclado, livres e descomprometidos. O resultado? Uma poesia, uma crônica, um haikai, um conto... Enfim, o que a inspiração deixar. O blog é isso, um convite à criatividade, provocada todos os dias, no finalzinho do expediente.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Por Cleo
Tateava seu corpo com mãos de cartógrafo.
Poderia desenhá-la à mão livre, se quisesse. Sem compasso, régua ou esquadro. Poderia desenhá-la de olhos fechados, sim, pois sabia de cor cada parte sua, com todos seus defeitos e perfeições.
Nomeava partes do seu corpo como se delas fosse primeiro e único descobridor.
Explorava sua pele como um aluno da Escola de Sagres os mares desconhecidos: ao sabor do vento, mas apressado, curioso e sem saber se haveria viagem de volta, lá para quando e onde a vida era segura e vazia.
Era como se cada dia só tivesse existido para levá-lo até ali. Ela ilha, ele mar. Os braços ao seu redor, sitiando-a e a conservando quente e úmida quando anoitecia.
Ele se apaixonava por ela um pouco mais toda vez que sentia seu cheiro.
E se surpreendia. Quando achava conhecer a distância exata entre as sardas que decoravam seu colo, era como se um vento soprasse e um novo desenho fosse gravado em sua memória. O bom é que era mais uma parte dela que ele poderia começar a adorar. Como aquela mecha de cabelo mais claro que se soltava do grampo que ela usava para lavar o rosto de manhã; como aquela falha na sobrancelha, que de tão perfeita, parecia feita de propósito.
Amava suas axilas, seus tornozelos, a parte de trás dos seus joelhos, mas tinha loucura especial pelo formato de suas falanges: delicadas, longas e coroadas por unhas de leito fundo.
Passeava em seu corpo e contornava com a ponta dos dedos a pequena depressão que se formava do encontro de suas clavículas.
Decorou o sentido do nascimento de cada um dos pelos loiros em seu braço. Gostava de pensar que eles só haviam aprendido a se arrepiar depois que ele tinha chegado e como resposta aos cochichos em seu ouvido e dos beijos em sua nuca.
Gostava de ensaboar suas costas porque era esse o momento de amar suas omoplatas aparentes, pontiagudas e anguladas.
Apelidava suas cicatrizes - até aquelas ordinárias, deixadas pela catapora.
Precisava de seu corpo como um forasteiro de um mapa.
Era, depois de uma viagem sobre sua pele, um homem que conhecia o mundo.
Não precisava de bússola, de guia, de GPS, não precisava sair do lugar.
Ali, quando protegido entre seus seios, tudo o mais era pouco.
Ele poderia morrer. Desde que estivessem nus, para que o último tato do mundo fosse aquele: a pele dela na sua.

Nenhum comentário: